Você conhece Romero Britto por seus trabalhos visuais que apareceram em todo tipo de produto: malas, chinelos de dedo, até tigelas para cachorro. O pintor entrou em uma briga improvável com a Apple, acusando a empresa de usar arte que imita o estilo dele.
A ação judicial, aberta em Miami (EUA), acusa uma campanha da Apple de violar o conjunto-imagem (ou trade dress) de Britto. Ou seja, ela não seria uma imitação exata, e sim uma cópia sutil que pode confundir o consumidor.
Essa distinção geralmente não é muito óbvia, e cabe aos tribunais decidir se é inspiração ou imitação. Mas um estilo artístico pode ser “patenteado”?
A imagem em questão, em destaque na campanha “Crie algo novo”, foi feita por Craig Redman e Karl Maier, do estúdio Craig & Karl:
O processo descreve assim o conjunto-imagem de Britto:
… uma combinação específica de elementos que são usados em produtos, materiais promocionais e embalagens BRITTO®: combinações de cores vibrantes, muitas vezes dominadas por amarelo brilhante; composições construídas pela justaposição de trechos de formato irregular com padrões distintos repetidos (incluindo bolinhas e listras) para formar o objeto da imagem, e cada elemento delineado por pinceladas pretas grossas; e temas visuais felizes, vívidos e edificantes.
Robert Zarco, advogado de Britto, diz ao Miami Herald que viu a campanha na China e achou que fosse do artista. E segundo a Associated Press, Britto até recebeu parabéns pelo que parecia ser um acordo com a Apple – só que o trabalho não é dele.
Craig & Karl
Você provavelmente nunca ouviu falar de Craig & Karl, mas eles conseguiram diversos trabalhos de destaque ao longo dos últimos anos – todos com um estilo semelhante ao de Britto. Eles já fizeram projetos para “LVMH, Google, Nike, Apple, Vogue e New York Times”.
Em 2012, eles fizeram uma exposição na Itália com rostos minimalistas de celebridades:
Estes são cartazes feitos para a Bayerische Staatsoper, em Munique (Alemanha), para a temporada 2012-2013 da companhia de ópera:
E esta é a capa da famosa New York Magazine, publicada no fim de 2012, retratando Barack Obama:
No ano seguinte, eles colaboraram em um ensaio da revista Vogue Japan, inspirado no Pop Art dos anos 50:
No mesmo ano, eles fizeram outra exposição – desta vez em Amsterdã – com retratos de amigos deles:
Craig diz ao Designboom como ele chegou a esse estilo:
Inicialmente, os retratos eram apenas em preto e branco, principalmente porque eu só podia me dar ao luxo de publicá-los como um zine fotocopiado, ha! Ao longo do tempo, eu comecei a acrescentar pontos coloridos e, depois, veio a transição para as peças multicoloridas que você vê nas pinturas.
Estrangeiros geralmente comparam a obra deles a Andy Warhol (falecido em 1987) e especialmente Roy Lichtenstein (falecido em 1997), ambos do Pop Art: um movimento dos anos 50 que desafiava as tradições da arte clássica incorporando elementos da cultura de massa, como quadrinhos ou propagandas.
Para comparação, eis algumas obras de Lichtenstein das quais eles se aproximam:
Inaugural, 1977
Bedroom at Arles, 1992
Por que agora?
Craig & Karl vêm fazendo obras com visual próximo ao de Britto há anos. Por que só agora ele reagiu?
Bem, Miami já foi descrita como a cidade de Romero Britto: “suas obras estão nos hotéis, no saguão dos prédios, nos shopping centers, na decoração das casas”. E segundo o Miami Herald, “quando a campanha publicitária apareceu na Apple Store da Lincoln Road, a uma quadra da galeria de Britto, ele ficou preocupado”. Na verdade, o processo judicial diz que ele só descobriu a existência de Craig e Karl no início deste ano.
Estima-se que a marca Romero Britto arrecade US$ 80 milhões por ano no mundo inteiro. O processo judicial diz que “as imagens características e icônicas de Britto evoluíram para se tornar uma marca de estilo de vida com imenso valor (a BRITTO® Brand)”.
O processo afirma que a Apple e o estúdio Craig & Karl foram notificados para interromper a campanha. Como isso não aconteceu, o advogado de Britto agora espera ganhar “milhões de dólares” em indenizações, incluindo o dinheiro que o pintor receberia se tivesse feito os anúncios.
Há quem esteja tentado a comparar isto com a briga Apple vs. Samsung nos tribunais. Os dois casos envolvem conjunto-imagem: em 2011, a Apple disse que vários smartphones da Samsung eram tão semelhantes visualmente – até na caixa! – que poderiam confundir o consumidor. No ano seguinte, o júri decidiu que isso era verdade em alguns casos: o Galaxy S e suas variantes violaram o trade dress do iPhone 3GS.
Mas um estilo artístico também pode ser protegido dessa forma? A advogada Leslie Lott, que é especializada em propriedade intelectual, diz ao Miami Herald que é difícil proteger direitos autorais quando se trata de arte:
Lott diz que a questão vai ser se o artista teve acesso ao trabalho de Britto, e se as semelhanças são substanciais. Lott disse que o desafio, neste caso, está em provar que Britto criou um estilo distinto…
“Não é fácil para os artistas proteger um estilo específico, mas se um artista tem um estilo único e distinto, ele tem que protegê-lo, porque ele não vai ser único por muito tempo se não o fizer.”
O estilo de Britto é mesmo único? Bem, você pode copiá-lo facilmente em cinco simples passos. E se Craig e Karl forem mesmo proibidos de fazer o mesmo, pelo menos eles têm algumas obras com um visual diferente (que reunimos abaixo). Enquanto isso, Romero Britto é criticado por sempre fazer uma variação do mesmo trabalho. De um jeito ou de outro, cabe ao tribunal decidir. [Miami Herald e Associated Press]
Britto v. Craig & Karl and Apple
Foto por Craig & Karl/Facebook
O post Romero Britto versus Apple: é possível “patentear” um estilo de pintar? apareceu primeiro em Gizmodo Brasil.